O sentimento mais pavoroso socialmente que todos fogem é a VERGONHA. Por ser uma tema delicado e desconfortável não falamos muito sobre ele. Mas a verdade é que, para muitos de nós, fugir da vergonha é uma questão de sobrevivência em tempos do boom das redes sociais.
Evolutivamente falando, a vergonha funcionou como instrumento de proteção e garantia de sobrevivência. Conviver em tribos e clãs foi o que consolidou a sobrevivência humana. Sendo assim, ser excluído de um grupo social era realmente um risco à sobrevivência. Atualmente sabemos que o medo da vergonha regula os comportamentos indesejáveis garantindo assim a inserção social e a conexão com os outros. Esse medo de sermos envergonhados nos leva a adotar estratégias de segurança emocional como autocrítica, evitação, retraimento, ocultação, dentre outras maneiras prejudiciais de regular as emoções.
O medo da vergonha também pode nos levar a compensar desesperadamente nossos sentimentos de inferioridade, seja buscando aceitação e validação dos outros, ou punindo aqueles que são “descobertos”. Afinal, “me desdobro para ser aceito socialmente, então quem não segue essas regras deve ser punido e sofrer mais que eu”, entende a dinâmica?
A cultura da vergonha surge nesse cenário onde o comportamento das pessoas passa a ser moldado pelo medo da retaliação caso alguém descubra que não somos quem imaginavam. Para que funcione de forma efetiva e continue a se perpetuar é importante que existam punições e humilhações diante dos comportamentos indesejáveis. Afinal, caso não existam punições públicas essa cultura perde a força.
O grande pilar da cultura da vergonha é a crença que as pessoas mudam de comportamento ao passarem por situações constrangedoras. Entretanto, o que vemos nas pesquisas é que essas mudanças não são positivas nem duradouras, geram sofrimento mental e danos emocionais significativos.
E o BBB com isso? Podemos analisar o reality com um olhar evolutivo no sentido de que para sobreviverem e serem premiados os participantes precisam conquistar o apreço dentro da casa e dos telespectadores. O mais louco é que os telespectadores não se comunicam com a casa. Sendo assim, os participantes adotam as medidas que acreditam que são úteis para chegarem até o final do programa. A repercussão que o programa gera após o seu término também contribui para que a busca pela validação seja ainda maior, estimulando comportamentos extremistas.
Nesse sentido, podemos supor que Karol ConKá acredita que a retaliação e a humilhação são formas de mudar o comportamento dos outros e garantir sua “sobrevivência”. Para não ser humilhada ou sofrer retaliação é melhor agir antes visando criar uma sensação de segurança através da capacidade de sobrepujar ou julgar as pessoas. Essa defesa mostra o quanto esse medo é poderoso e nos cega diante das situações.
As pesquisas sobre vergonha mostram que essa é uma emoção tão primitiva que não é processada na área do cérebro onde as emoções geralmente são processadas, mas sim na área mais primitiva do cérebro onde o medo é processado. Isso nos permite compreender que as memórias de vergonha podem se assimilar às de trauma, podendo inclusive influenciar a percepção que temos de nós mesmos e como nos relacionamos com os outros.
A cultura do cancelamento só reforça a cultura da vergonha gerando mais sofrimento, sentimento de inadequação e falta de compaixão. Somos todos humanos e a nossa conexão é que nos faz crescer, mesmo com as diferenças. Mudar esse paradigma não é fácil, mas é possível.
Quantas vezes você atacou alguém porque estava com medo?
*o caso do BBB é usado de forma figurativa para ilustrar o conceito. Esse texto não visa negligenciar os abusos psicológicos vivenciados no programa.
Com carinho,
Paula.