O burnout não é novidade no mundo das doenças relacionadas ao trabalho. O termo foi criado em 1974 pelo psiquiatra Freudenberger que trabalhava mais de 12 horas por dia e adoeceu. E também já estava incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID) 10. É um termo interessante pois nos remete a ideia de queimarmos de dentro para fora. Acredito que esse nome caiu como uma luva nesse fenômeno devido a acontecer de maneira silenciosa, o que geralmente o torna perceptível quando já atingimos nosso limite.
É transtorno, síndrome ou doença?
O burnout no Brasil é traduzido como a Síndrome do Esgotamento Profissional. Síndromes diferem de transtornos e doenças pois, as doenças possuem uma causa específica, os transtornos são quadros específicos mentais e/ou psiquiátricos. Já as síndromes envolvem um conjuntos de sinais/sintomas sem uma causa específica. Pela classificação atual em do CID 10 o burnout é classificado como uma causa de adoecimento, e não uma doença em si. Muita coisa pra digerir, né? Calma que vou simplificar: uma pessoa pode ter uma diagnóstico de estresse, ansiedade ou depressão ocasionado por burnout. Outra coisa muito comum que é vista pelos profissionais de saúde é conceder o diagnóstico de burnout e ele ser aceito mesmo que não se acompanhe da causa de outro transtorno. É uma prática comum e aceita pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Então o que mudou com a nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS)?
A OMS além de descrever melhor esse fenômeno no CID 11, usou essas palavrinhas que dizem muito:
“Burnout é uma síndrome resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi manejado com sucesso.”
Ou seja, é uma condição que só acontece em ambientes de trabalho estressantes. É importante dizer que não existe trabalho sem estresse, por mais que façamos o que amamos sempre haverá a sensação de nos sentirmos pressionados. O estresse é a reação corporal que surge quando nos sentimos em perigo (real ou imaginado). No mundo do trabalho ele pode surgir devido à sobrecarga de trabalho, degradação das relações profissionais, lidar com situações desafiadoras, ou até mesmo estar em atividades onde não acreditamos ser capazes. Existe um componente mental e um componente ambiental no estresse. O estresse oriundo do burnout essencialmente possui uma carga ambiental grande. Já a cronicidade se caracteriza por acontecer de forma frequente e estrutural. Nesse caso o estresse faz parte da cultura empresarial ou não há iniciativas que busquem manejá-lo. Resumindo: burnout é culpa da empresa. Na prática isso quer dizer que a empresa deve custear seu tratamento e oferecer condições de trabalho dignas.
Como saber se estou com burnout ou se estou ansioso?
A ansiedade se caracteriza por pensamentos relacionados ao futuro. Pensamentos que envolvem pessimismo, não dar conta de algo, fracasso, falta de controle, desastres, falta de controle sobre as situações, crença de que os acontecimentos exigirão mais do que somos capazes de lidar. O trabalho certamente pode contribuir ou ser o cenário desses pensamentos. Podemos dizer de forma simplória que a ansiedade é um tipo de medo, ou que os dois andam bem juntos.
No burnout é como se houvesse a perda do brilho que existia antes em se trabalhar. O estresse crônica gera uma falta de esperança no trabalho, no poder pessoal de fazer coisas novas ou se sentir realizado profissional. A pessoa olha para si e não se reconhece. Muitos estudos falam sobre como essa síndrome afeta pessoas que trabalham na área de saúde e educação. Profissões onde há muito contato com o público possuem índices altos de esgotamento.
Existem três características centrais no burnout:
- Sentimento de exaustão emocional ou esgotamento de energia: é como se a pessoa fosse incapaz de oferecer algo no trabalho. Algo emocional ou até que envolva um esforço físico, cognitivo. Como se não existisse mais energia. Lembrando que precisa existir um histórico de quebra, de queda de energia e/ou investimento emocional.
- Aumento da distância emocional do trabalho, sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho: se antes a pessoa se engajava em projetos e iniciativas que faziam o seu olho brilhar, hoje ela olha com descrédito. A crença de que as coisas não vão mudar, a falta de esperança e de motivação para sentir prazer no trabalho são os marcou dessa característica.
- Baixa realização profissional: a pessoa se sente insatisfeita com o próprio desempenho, além de uma queda de performance ser notável e isso gera sofrimento.
Como confirmar seu diagnóstico?
Procurando um psiquiatra e um psicólogo. Outra alternativa que poucos conhecem são os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, conhecidos como CEREST. São órgão públicos que realizam atendimento e acompanhamento gratuito a trabalhadores além de oferecerem assessoria jurídica e acionarem os órgãos que podem auxiliar o trabalhador a recuperar sua saúde. É como se fosse um posto de saúde do trabalho. O trabalho das equipes do CEREST é excepcional e a equipe é super qualificada e experiente. Eles também produzem estudos sobre doenças relacionadas ao trabalho.
O que a empresa pode/deve fazer?
Investir em cuidar dos seu colaboradores. Ressalto que isso não é só oferecer terapia para as pessoas, mas investir em qualidade de vida no trabalho, gerenciamento do estresse e tantas outras coisas. Criar um programa de saúde no trabalho é indispensável, além de criar indicadores e monitorá-los. Fornecer um espaço seguro para escuta relacionados às demandas do trabalho e gerenciar como essas demandas estão sendo atendidas é fundamental. Isso passa por estratégias de gestão, desenvolvimento de pessoas e gestão de saúde no trabalho. Redesenhar a forma como trabalho é feito onde a saúde mental é o centro é a saída para empresas e colaboradores satisfeitos.
Com a ascensão do trabalho remoto isso se tornou ainda mais urgente, pois vemos pessoas trabalhando em casa, autônomos, empreendedores sendo atingidos pelo burnout. Isso diz muito sobre o nosso contexto econômico e sobre a forma como a nossa cultura enxerga o trabalho. A performance não está acima de tudo, até porque sem saúde mental a alta performance não é atingida. É um grande desafio, mas já estava na hora de dedicarmos nossa atenção a ele, só assim conseguiremos começar a romper com a cultura exploratória do trabalho.
Espero que esse texto tenha trazido boas reflexões para você.
Um abraço.