Quem nunca se pegou olhando para o relógio, sentindo que o tempo não passa, sem vontade de continuar uma tarefa ou até mesmo de interagir com outras pessoas? Esse é o tédio, uma experiência universal, mas que ainda é cercada de preconceitos. Muitas vezes ele é visto apenas como preguiça ou falta do que fazer, quando, na verdade, a psicologia mostra que o tédio é um estado emocional complexo, com impacto direto no nosso bem-estar, desempenho e até nos nossos relacionamentos.
O que é o tédio?
Pesquisadores descrevem o tédio como um estado afetivo desagradável que combina:
- falta de interesse,
- dificuldade de concentração,
- alteração na percepção do tempo,
- emoções negativas,
- e um desejo intenso de mudar de atividade.
👉 Segundo Eastwood et al. (2012), o tédio é “o estado de querer, mas não conseguir, se engajar em uma atividade satisfatória”. Ou seja, não é apenas ausência de prazer, mas uma sensação ativa de insatisfação.
Para que serve o tédio?
Embora incômodo, o tédio tem uma função adaptativa. Do ponto de vista evolutivo, ele funciona como um sinal de alerta: quando algo não traz recompensa ou sentido, o cérebro nos motiva a buscar novas experiências que possam expandir nosso repertório.
É por isso que, em algumas situações, o tédio pode ser um motor para a criatividade, inovação e descoberta de novos interesses.
Tédio, emoções e saturação emocional
Quando sentimos tédio, experimentamos o que a psicologia chama de saturação emocional: nossas emoções guiam a forma como pensamos e percebemos o ambiente. Nesse estado, é comum que busquemos formas de escapar, seja divagando em pensamentos (devaneios), seja buscando estímulos externos (como celular, redes sociais, comida ou conversas).
Onde o tédio mais aparece?
Pesquisas mostram que ambientes de avaliação e desempenho, como escolas, universidades e locais de trabalho, são grandes gatilhos para o tédio.
➡️ Quanto mais entediados estamos em um ambiente de aprendizagem, menos absorvemos e pior é nosso desempenho.
Já em contextos de lazer, o tédio muitas vezes leva à busca de atividades prazerosas que ajudam a restabelecer o equilíbrio.
Tipos de tédio segundo a ciência
Um estudo clássico de Goetz et al. (2014) identificou cinco tipos de tédio, que variam em intensidade e emoção:

- Indiferente: baixa excitação fisiológica, emoções levemente positivas; lembra um estado de calma.
- Equilibrado: já traz emoções negativas leves; é comum ter pensamentos vagos e falta de iniciativa.
- Buscador: excitação maior, com desejo de encontrar algo para aliviar o tédio; ativa a busca por hobbies e atividades.
- Reativo: altos níveis de excitação e emoções negativas; tendência a evitar a situação ou as pessoas ligadas a ela.
- Apático: baixa excitação, mas emoções negativas intensas; associado a desamparo e sintomas de depressão.
👉 Nem todo tédio é prejudicial: alguns tipos nos ajudam a descansar ou buscar prazer, enquanto outros podem estar ligados a sofrimento psicológico.
Tédio e saúde mental
A ciência já encontrou correlações importantes:
- Depressão e ansiedade: pessoas com maior propensão ao tédio apresentam mais sintomas.
- Comportamentos de risco: abuso de álcool, drogas, jogos de azar e compulsões estão frequentemente ligados ao tédio.
- Educação e trabalho: mais tédio está associado a menos desempenho acadêmico e maior insatisfação profissional.
Área | O que mostram as pesquisas |
---|---|
Saúde mental | Mais chance de depressão, ansiedade e insatisfação com a vida |
Personalidade | Pessoas mais instáveis emocionalmente sentem mais tédio; já quem é organizado e sociável tende a se entediar menos |
Atenção e foco | Dificuldade de manter concentração e controlar impulsos |
Comportamentos de risco | Maior chance de usar álcool e drogas, jogos de azar, direção arriscada e compras compulsivas |
Educação | Menor interesse pelos estudos e queda no desempenho escolar |
Trabalho | Maior insatisfação, faltas no emprego e desejo de mudar de trabalho |
Uso de tecnologia | Mais tempo em redes sociais, internet e jogos, às vezes de forma exagerada |
Tendency to boredom: por que algumas pessoas se entediam mais?
Existe até um traço de personalidade chamado “propensão ao tédio” (boredom proneness), medido pela Boredom Proneness Scale (BPS).
- Pessoas com pontuação alta tendem a se entediar com facilidade, têm mais dificuldade de manter foco e buscam estímulos imediatos.
- Isso aumenta a vulnerabilidade a problemas emocionais e uso excessivo de tecnologia.
Tédio e tecnologia
Na era digital, o tédio ganhou novos contornos. Redes sociais e celulares oferecem escape imediato, mas nem sempre ajudam a resolver a raiz da questão. Pelo contrário, pesquisas mostram que quanto mais tentamos eliminar o tédio com estímulos superficiais, menos tolerantes nos tornamos a momentos de calma, dificultando o engajamento em atividades profundas e significativas.
Como lidar com o tédio de forma saudável
Aqui vão algumas reflexões e estratégias:
- Pergunte-se: Estou realmente mal nessa situação ou apenas desmotivado(a)?
- Avalie: Posso mudar ou sair dessa situação? Quais seriam as consequências?
- Insira estímulos prazerosos: música, pequenas pausas, dividir tarefas em partes.
- Questione sua motivação: Por que estou aqui? O que isso me traz a médio ou longo prazo?
- Pratique o ócio criativo: nem sempre precisamos ser produtivos. Atividades como ler, pintar, caminhar, ouvir música ou até permitir-se sonhar acordado podem trazer alívio e até novas ideias.
- Cuidado com comparações: redes sociais mostram apenas “recortes felizes”. Comparar sua vida com a dos outros só aumenta a sensação de vazio.
Conclusão
O tédio é mais do que “não ter o que fazer”: é um estado emocional complexo que pode indicar a necessidade de mudança, de novos desafios ou de descanso. Quando bem compreendido, pode ser transformado em uma oportunidade para cultivar criatividade, autoconhecimento e crescimento pessoal.
Mas se o tédio começa a atrapalhar seu desempenho, suas relações ou sua saúde mental, pode ser um sinal de que está na hora de buscar ajuda psicológica.
Espero que esse texto tenha te ajudado.
Qualquer dúvida é só comentar abaixo.
Com carinho,
Paula.