Como a cultura molda a forma de educar, amar e cuidar dos filhos
A forma como cuidamos e educamos nossos filhos não surge do nada. Ela é moldada pelas nossas experiências, valores e, principalmente, pela cultura em que crescemos.
Enquanto em algumas sociedades o foco está na obediência e respeito à autoridade, em outras se valoriza a liberdade e o pensamento crítico desde cedo.
Essas diferenças se tornam ainda mais evidentes quando famílias migram ou convivem com pessoas de outros países. O que é visto como “amor” ou “boa educação” em um lugar pode ser interpretado como “rigidez” ou “falta de limites” em outro.
Entender essas nuances culturais não é apenas uma curiosidade, é uma forma de compreender melhor a nós mesmos e nossas formas de cuidar.
Os estilos parentais segundo a psicologia
A psicóloga Diana Baumrind (1966) foi uma das primeiras a sistematizar os estilos parentais, que depois foram ampliados por Maccoby e Martin (1983).
Eles identificaram quatro grandes estilos, baseados em dois eixos: afeto/responsividade e controle/exigência.
| Estilo parental | Características principais |
|---|---|
| Autoritário | Regras rígidas, pouca escuta, foco na obediência. |
| Permissivo | Muito afeto, poucos limites ou responsabilidades. |
| Negligente | Baixo envolvimento emocional e ausência de estrutura. |
| Autorizativo (ou democrático) | Equilíbrio entre afeto e limites claros. |
Estudos mostram que o estilo autorizativo tende a estar associado a melhores resultados socioemocionais, maior autoestima, competência social e regulação emocional (Steinberg, 2001; Darling & Steinberg, 1993).
Mas é importante destacar: nenhum estilo existe de forma isolada e a cultura influencia diretamente como cada um se manifesta.
🇧🇷 O estilo parental brasileiro: calor, presença e ambivalências
O Brasil é conhecido por um modelo de parentalidade calorosa e afetiva, com forte presença emocional e corporal.
O toque, o colo, o “meu filho querido”, tudo isso expressa um tipo de amor profundamente relacional, que prioriza o vínculo sobre a autonomia.
Mas há também uma tendência à superproteção, o que reflete tanto o amor quanto os medos sociais e econômicos que atravessam o país.
Muitos pais brasileiros acreditam que cuidar é “proteger de tudo”, e que permitir sofrimento é sinal de descuido.
💬 Exemplo:
“Prefiro fazer por ele do que ver ele se frustrar.”
Pesquisas conduzidas por Ribeiro e colaboradores (2019) na Universidade de São Paulo mostram que pais brasileiros valorizam fortemente o afeto e a proteção, mas têm dificuldade em delegar responsabilidades à criança, especialmente nas classes médias urbanas.
Equilíbrio: há uma transição cultural em curso, de uma parentalidade mais hierárquica e protetora para uma parentalidade mais dialógica, que busca conciliar amor com autonomia.
🇪🇸 Espanha, Itália e Portugal: autonomia dentro do afeto
Nos países do sul da Europa, o afeto também é central, mas as famílias tendem a estimular a autonomia mais cedo.
Pesquisas como as de Garcia & Gracia (2009) na Universidade de Valência mostram que o estilo autorizativo é predominante na Península Ibérica.
Pais espanhóis e portugueses valorizam o diálogo, a negociação e o incentivo à autoconfiança, mas sem abrir mão do cuidado emocional.
💬 Exemplo:
É comum que crianças espanholas voltem sozinhas da escola a partir dos 8 ou 9 anos, não por descuido, mas porque há confiança na segurança e no desenvolvimento da autonomia.
Além disso, o Estado e a escola participam ativamente da educação, o que diminui a carga emocional e moral sobre os pais.
🇩🇰 Países nórdicos: confiança e independência
Nos países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia), predomina um modelo de parentalidade baseado na confiança, igualdade e autonomia.
Segundo o estudo de Sanders et al. (2020) sobre práticas parentais em países nórdicos, o foco está em:
- Incentivar que a criança aprenda pela experiência;
- Valorizar o diálogo horizontal (pais e filhos negociam e se escutam);
- Ensinar responsabilidade emocional desde cedo.
Crianças são estimuladas a tomar decisões e lidar com pequenas frustrações, o que fortalece a autoconfiança e o senso de competência.
Há uma crença cultural de que “crianças são competentes”, e isso muda toda a forma de educar.
🇯🇵 Japão: disciplina e harmonia
No Japão, o estilo parental é marcado por alta exigência e profundo cuidado relacional.
Segundo o pesquisador Holloway (2010), o ideal japonês de educação, conhecido como amae (甘え), envolve uma relação de dependência emocional saudável, onde a criança é ensinada a considerar o outro e a evitar causar desconforto.
A ênfase está em:
- Disciplina e respeito coletivo;
- Controle emocional;
- Educação moral desde cedo.
O foco não é a individualidade, mas a harmonia do grupo, e o amor se expressa na dedicação e no compromisso com o sucesso e o bem-estar da criança.
🇺🇸 Estados Unidos e Canadá: autonomia e performance
Em culturas mais individualistas, como Estados Unidos e Canadá, o objetivo principal da educação é formar indivíduos independentes, confiantes e assertivos.
O estudo longitudinal de Chao & Tseng (2002) mostra que a parentalidade norte-americana valoriza a autonomia emocional e cognitiva:
crianças são incentivadas a escolher, opinar e se responsabilizar desde cedo.
Por outro lado, há uma pressão crescente por desempenho, o que pode gerar estresse parental e crianças sobrecarregadas com atividades extracurriculares.
💬 Exemplo:
Enquanto um pai brasileiro diz “não quero que meu filho saia sozinho”, um pai americano diria “quero que ele aprenda a se virar”.
🇵🇱 Leste Europeu: resiliência e disciplina afetiva
Nos países do Leste Europeu (Polônia, República Tcheca, Hungria, Romênia), o estilo parental tende a combinar disciplina tradicional com um crescente foco na escuta emocional.
Segundo Trommsdorff & Kornadt (2003), culturas pós-socialistas passaram de um modelo autoritário estatal para uma parentalidade mais afetiva e participativa.
- Valores fortes: responsabilidade, respeito e trabalho duro.
- Cuidado prático: pais enfatizam a preparação para a vida adulta e a educação formal.
- Afeto contido: amor é demonstrado mais por ação do que por palavras.
Em alguns contextos, ainda há traços de rigidez, especialmente entre gerações mais velhas, mas as novas famílias urbanas vêm adotando modelos mais dialogais e menos hierárquicos.
🕌 Países árabes: amor protetor e honra familiar
Em culturas árabes, a parentalidade está profundamente entrelaçada com valores religiosos e comunitários.
A pesquisa de Dwairy et al. (2006) sobre estilos parentais em países do Oriente Médio mostra que o modelo predominante é autoritário-afetivo, alta exigência combinada com alta conexão emocional.
A família é o centro da vida social, e a honra familiar (sharaf) influencia as decisões parentais.
Cuidar significa proteger a reputação, o bem-estar e o futuro da criança, frequentemente com uma orientação mais coletiva do que individual.
💬 Exemplo:
“Meu filho é meu reflexo — o que ele faz reflete em todos nós.”
As meninas, em especial, costumam receber uma educação voltada para a prudência e o comportamento socialmente adequado, enquanto os meninos são encorajados a assumir papéis de responsabilidade.
Porém, estudos recentes mostram mudanças nas gerações jovens, com maior abertura ao diálogo e valorização da educação emocional (Al-Khatib & Awad, 2020).
🌍 África: comunidade, oralidade e cuidado compartilhado
A parentalidade africana é marcada pela dimensão comunitária e pela transmissão oral de valores.
O provérbio “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança” não é apenas uma metáfora, é um modo de vida.
De acordo com Nsamenang (2006), a educação infantil em muitas regiões africanas é centrada na participação social e nas responsabilidades compartilhadas.
Cuidar é ensinar a criança a pertencer, cooperar e respeitar os mais velhos.
Há grande diversidade entre regiões (África Ocidental, Oriental e Austral), mas alguns traços comuns são:
- Crianças cuidam de irmãos mais novos e aprendem por observação.
- Pais valorizam a resiliência e o respeito intergeracional.
- O afeto se expressa mais em atos concretos de cuidado do que em elogios verbais.
Em contextos urbanos e pós-coloniais, novas gerações vêm conciliando esse legado comunitário com abordagens ocidentais de educação positiva e comunicação não violenta.
Culturas coletivistas x individualistas: duas lentes para o amor parental
Psicólogos culturais como Hofstede (2011) e Markus & Kitayama (1991) explicam que as diferenças na forma de educar refletem dimensões culturais profundas.
| Tipo de cultura | Valores predominantes | Parentalidade típica |
|---|---|---|
| Coletivista | Interdependência, harmonia, respeito ao grupo | Cuidado protetor, obediência, vínculo familiar forte |
| Individualista | Autonomia, expressão pessoal, autenticidade | Incentivo à independência, escolhas e autoestima |
O amor parental pode se expressar como proteção ou como confiança na autonomia, mas em ambos os casos, o objetivo é o mesmo: garantir segurança e pertencimento.
Quando culturas se encontram: desafios das famílias multiculturais
Para pais brasileiros morando no exterior, o encontro entre culturas pode gerar culpa, dúvida e ambiguidade.
É comum ouvir:
“Aqui me dizem que sou superprotetora, mas no Brasil eu seria vista como negligente.”
O segredo está em integrar o melhor dos dois mundos.
Permitir que a criança cresça adaptada ao contexto em que vive, sem perder os valores afetivos e familiares que são parte da identidade.
Dicas práticas para esse equilíbrio:
- Observe o ambiente local: entenda o que é considerado cuidado e autonomia na nova cultura.
- Comunique seus valores à criança: explique o porquê de suas decisões.
- Aprenda com outras famílias: o diálogo intercultural amplia repertórios.
- Lembre-se: amar é também adaptar, e isso não é perda, é crescimento.
Conclusão
Educar é, em essência, transmitir amor de acordo com o mundo em que vivemos.
Enquanto no Brasil o amor pode se manifestar em “coloca o casaco”, na Dinamarca ele aparece como “você consegue fazer sozinho”, e em Gana como “a aldeia inteira cuida de você”.
Cada cultura ensina uma forma de amar, e todas elas têm algo a oferecer.
A parentalidade consciente nasce quando reconhecemos que nenhuma cultura é “melhor”, apenas diferente.
E que o verdadeiro cuidado está em ensinar nossos filhos a serem pessoas inteiras, empáticas e adaptáveis ao mundo plural em que vivem.