É noite, você está tentando dormir. Mas sua mente parece estar em outro lugar, relembrando o que disse naquela reunião, tentando prever se vai dar tudo certo na próxima semana, imaginando o que pode acontecer com alguém que você ama. A preocupação se instala como uma trilha sonora de fundo. Mas por que fazemos isso? Por que nos preocupamos tanto?
Essa pergunta, aparentemente simples, tem mobilizado pesquisadores, psicólogos e neurocientistas. A boa notícia é que hoje já temos evidências sólidas sobre os mecanismos psicológicos, cerebrais e evolutivos da preocupação. E conhecer isso é um passo importante para retomar o controle da nossa mente.
O cérebro humano: um simulador de futuros
A neurociência sugere que a preocupação é uma função natural de um cérebro que evoluiu para antecipar perigos. Áreas como o córtex pré-frontal (envolvido no pensamento abstrato e planejamento) e o sistema límbico (regulação emocional, especialmente a amígdala) trabalham juntas para avaliar riscos, reais ou imaginados.
Essa capacidade de imaginar cenários negativos não é um defeito, mas sim um recurso adaptativo. Foi o que ajudou nossos ancestrais a:
- Prever ataques de predadores,
- Planejar rotas de fuga,
- Evitar repetir experiências perigosas.
Ou seja: a preocupação tem função protetora, como um “alarme antecipado”. O problema é quando esse alarme não desliga, mesmo quando não há ameaça concreta.
A perspectiva da psicologia evolutiva
A psicologia evolutiva reforça essa ideia: a preocupação é uma herança da necessidade de sobrevivência em ambientes imprevisíveis. Quem se preocupava com possíveis perigos tinha mais chances de se proteger, e, portanto, de deixar descendentes.
Essa herança nos trouxe até aqui. Mas o mundo mudou, e o cérebro continua operando com o mesmo software antigo. Hoje, em vez de predadores ou fome, nos preocupamos com e-mails, performance, aceitação social, fracasso, crises existenciais.
Nosso cérebro ainda busca controlar o incontrolável, mesmo que isso signifique ficar girando em torno de pensamentos improdutivos.
A preocupação como tentativa de controle
Segundo o psicólogo canadense Michel Dugas, a preocupação é uma estratégia cognitiva para lidar com a incerteza. Para muitas pessoas, preocupar-se é uma forma de:
- Se preparar para o pior,
- Evitar surpresas negativas,
- Sentir que está no controle.
Essa intolerância à incerteza está no centro da ansiedade generalizada. E quanto maior ela é, mais a pessoa se preocupa. O que, por sua vez, alimenta ainda mais ansiedade.
Mas e se eu precisar me preocupar?
Segundo LaFreniere e Newman, que estudaram as preocupações de estudantes universitários, apenas 9% das preocupações se concretizam. E, quando acontecem, a maioria das pessoas lida melhor do que imaginava. E do tempo que dispendemos diarimaente pensando. em média, passamos 25% do dia pensando em preocupações.Isso significa que 1 em cada 4 horas pode ser ocupada por pensamentos ansiosos que nem sempre se realizam.
Isso mostra que a preocupação tende a:
- Superestimar ameaças,
- Subestimar nossas capacidades,
- E manter um ciclo de alerta constante.
Preocupação é pensamento ou emoção?
Fenomenologicamente, a preocupação é um pensamento ansioso com forma verbal, orientado ao futuro. É o famoso “e se…?” que assume o comando da mente.
Diferente do medo (que é uma emoção sensorial, imediata), a preocupação é linguagem interna persistente. Um “modo de simulação negativa”, que nos tira do presente e alimenta a ansiedade.
Por que é tão difícil parar de se preocupar?
Parar de se preocupar parece simples, mas é uma das tarefas mais desafiadoras para muitas pessoas. Isso acontece porque, para o nosso cérebro, a preocupação é interpretada como uma forma de proteção.
Quando nos preocupamos, temos a sensação de que estamos fazendo algo útil, mesmo que, na prática, estejamos apenas girando mentalmente em torno do problema.
Essa falsa sensação de ação cria um ciclo que prende a pessoa dentro da própria mente, reforçando a ansiedade e mantendo o corpo em alerta.
Esse padrão foi estudado profundamente pelo psicólogo Robert Leahy, especialista em transtornos de ansiedade e preocupação. Leahy explica que muitas pessoas se preocupam não porque querem, mas porque acreditam que precisam se preocupar. Existe uma crença muito comum de que preocupar-se é sinal de responsabilidade, preparo ou até mesmo cuidado com os outros.
Na prática, isso cria um paradoxo: a preocupação parece produtiva, mas raramente ajuda. Nos sentimos como se estivéssemos resolvendo algo, mas estamos apenas repetindo os mesmos pensamentos, sem sair do lugar.
O cérebro pensa que está te protegendo
Do ponto de vista evolutivo, a preocupação foi uma estratégia de sobrevivência. Nossos ancestrais que antecipavam perigos tinham mais chances de sobreviver em ambientes incertos. O problema é que o cérebro continua ativando esse sistema mesmo quando não há ameaça real.
Hoje nos preocupamos com reuniões, falas, julgamentos sociais e decisões da vida cotidiana como se estivéssemos enfrentando um perigo concreto. O cérebro interpreta tudo isso como um risco real e dispara pensamentos automáticos de alerta.
É por isso que o cérebro cria um “loop” de preocupação: ele tenta prever cenários para evitar que algo dê errado. Mas, ao fazer isso de forma excessiva, acaba nos deixando presos em um ciclo de ansiedade.
As crenças que alimentam a preocupação
Uma das razões pelas quais é tão difícil interromper o ciclo da preocupação é que muitas vezes acreditamos que nos preocupar é necessário. Essas são chamadas de crenças positivas sobre a preocupação, e elas funcionam como combustível para que a preocupação continue.
Exemplos comuns de crenças que alimentam a preocupação:
- “Se eu me preocupar, estarei mais preparada.”
- “Preocupar-se me mantém alerta e me protege de surpresas.”
- “Se eu não me preocupar, posso parecer irresponsável.”
- “Me preocupar é uma forma de mostrar que me importo com as pessoas.”
- “Se eu não pensar em todas as possibilidades, algo pode dar errado.”
Essas crenças fazem com que a pessoa sinta que a preocupação é uma estratégia útil ou até mesmo essencial.
Na prática, é como se parar de se preocupar fosse um sinal de descuido, fraqueza ou falta de amor.
O que a ciência diz sobre essas crenças?
Pesquisas com o MQ-30 (Metacognitions Questionnaire) mostram que pessoas que se preocupam excessivamente:
- Têm mais crenças positivas sobre a preocupação.
- Acreditam que se preocupar pode prevenir problemas futuros.
- Sentem que precisam se preocupar para manter o controle.
Além disso, muitas pessoas desenvolvem crenças negativas sobre seus próprios pensamentos, como:
- “Não consigo controlar minha mente.”
- “Se eu me preocupar demais, vou perder o controle.”
Essas crenças aumentam a ansiedade e criam a sensação de que a preocupação é incontrolável, o que, na verdade, é um mito.
Por que questionar essas crenças é importante?
Se continuarmos acreditando que a preocupação é útil, vamos mantê-la viva.
Questionar essas crenças não significa ignorar a vida ou abandonar responsabilidades, mas sim aprender a separar o que é cuidado real do que é um ciclo mental improdutivo.
É possível substituir:
- “Se eu me preocupar, vou estar mais preparada”
por
“Eu posso me preparar com ações concretas, sem precisar sofrer por antecipação.” - “Se eu não me preocupar, pode parecer que não me importo”
por
“Me importar também é confiar e estar presente, não só me angustiar.”
Quando conseguimos desafiar essas crenças, abrimos espaço para viver com mais leveza e presença.
Como funciona o ciclo da preocupação?
A preocupação costuma seguir este padrão:
- Surge um pensamento automático: “E se der errado?”
- O corpo responde como se houvesse perigo real.
- O pensamento se repete, alimentando a ansiedade.
- A mente acredita que está se preparando, quando na verdade está se desgastando.
- A preocupação continua e o problema permanece sem solução.
Esse ciclo pode durar horas ou dias, e muitas vezes impede que a pessoa aproveite o momento presente ou tome decisões práticas.
Como podemos sair desse ciclo?
Algumas práticas eficazes para lidar com a preocupação incluem:
- Questionar a utilidade do pensamento: Isso está me ajudando ou apenas me deixando ansiosa?
- Agir quando possível: Se há algo que pode ser feito, é melhor agir do que apenas pensar.
- Aceitar a incerteza: Não precisamos controlar tudo para nos sentir bem.
- Soltar pensamentos intrusivos: Nem todo pensamento precisa ser seguido.
- Cultivar autocompaixão: É possível se cuidar sem se punir com preocupações intermináveis.
E se a preocupação for um convite a cuidar, e não a sofrer?
Preocupar-se é humano. É parte do que nos tornou capazes de planejar, proteger e sobreviver. Mas também é parte do que nos afasta do presente.
Quando reconhecemos a preocupação como um processo mental, e não como uma verdade absoluta, começamos a recuperar liberdade. E com ela, vem algo ainda mais precioso: a presença, a leveza e a confiança.
É noite, você está tentando dormir. Mas sua mente parece estar em outro lugar, relembrando o que disse naquela reunião, tentando prever se vai dar tudo certo na próxima semana, imaginando o que pode acontecer com alguém que você ama. A preocupação se instala como uma trilha sonora de fundo. Mas por que fazemos isso? Por que nos preocupamos tanto?
Essa pergunta, aparentemente simples, tem mobilizado pesquisadores, psicólogos e filósofos por décadas. A boa notícia é que hoje já temos evidências sólidas sobre os mecanismos psicológicos e cognitivos da preocupação. E conhecer isso é um passo importante para retomar o controle da nossa mente.
Espero que esse texto tenha te ajudado.
Com carinho,
Paula.