Você já se sentiu frustrado por reagir de forma exagerada a uma situação aparentemente simples? Ou por ficar preso em pensamentos negativos, mesmo quando tudo parece estar bem? Talvez você até já tenha se perguntado: “Por que eu sou assim?” ou “Por que minha mente não colabora comigo?”
A resposta para essas perguntas pode ser encontrada em um conceito central da Terapia Focada na Compaixão (TFC): o cérebro complicado.
Essa abordagem, desenvolvida pelo psicólogo Paul Gilbert, nos convida a olhar para nós mesmos com mais compreensão e gentileza, ao reconhecer que nosso cérebro, apesar de incrível, carrega uma série de mecanismos herdados da evolução que nem sempre funcionam de maneira ideal no mundo em que vivemos hoje.
Um cérebro herdado, não escolhido
O primeiro passo para compreender o cérebro complicado é lembrar de uma verdade simples e poderosa: nós não escolhemos o cérebro que temos.
Nosso cérebro é fruto de milhões de anos de evolução. Ele foi moldado, geração após geração, para garantir que nossos ancestrais sobrevivessem em ambientes hostis, onde perigos estavam por todos os lados. O foco, portanto, não era “ser feliz”, “manter a calma” ou “construir autoestima”. O foco era sobreviver.
Por isso, muitas das estruturas e reações automáticas que temos hoje fazem sentido do ponto de vista da sobrevivência, mas nem sempre combinam com os desafios e necessidades da vida moderna.
O cérebro como um sistema em camadas
Imagine o cérebro como uma construção em andares. Os andares inferiores, mais antigos, são compartilhados com outros animais e cuidam de funções básicas como batimentos cardíacos, respiração, fome, medo e fuga. Já os andares superiores, mais recentes, são tipicamente humanos: pensamento abstrato, linguagem, moralidade, imaginação, criatividade.
Mas o que acontece quando esse prédio tem pouca integração entre os andares? Quando o alarme de incêndio toca (o sistema de ameaça), o pânico pode tomar conta de todos os andares, mesmo que não exista fogo real.
É exatamente isso que acontece conosco. Temos partes cerebrais primitivas reagindo automaticamente a estímulos, e outras partes, mais modernas, tentando interpretar e justificar essas reações, muitas vezes sem sucesso.
Três sistemas emocionais em desequilíbrio
A TFC propõe uma visão muito útil dos nossos estados emocionais a partir de três grandes sistemas:
- Sistema de ameaça: detecta perigos e ativa respostas como medo, raiva ou fuga.
- Sistema de busca de recursos: nos motiva a conquistar, realizar, alcançar metas.
- Sistema de calma e afiliação: gera sensações de segurança, conexão e bem-estar.

Esses sistemas deveriam funcionar em equilíbrio. Mas, na prática, muitos de nós têm um sistema de ameaça hiperativado, vivendo em estado de alerta constante. Buscamos alívio correndo atrás de conquistas, produtividade, reconhecimento (sistema de busca), mas temos pouco acesso ao sistema de calma, aquele que nos permite relaxar, nos sentir seguros e acolhidos.
Esse desequilíbrio gera sofrimento emocional crônico, esgotamento, ansiedade e uma sensação de “nunca ser suficiente”.
Os “bugs” do cérebro moderno
Esses sistemas emocionais, somados à estrutura evolutiva do nosso cérebro, criam o que Paul Gilbert chamou de “cérebro complicado”. Em outras palavras, temos um cérebro com grande capacidade, mas que também apresenta falhas, ou “bugs”, herdados do nosso passado evolutivo. Veja alguns exemplos:
- Viés da negatividade: o cérebro presta mais atenção ao que é negativo, como forma de se proteger. Isso nos deixa mais atentos ao perigo — mas também mais ansiosos e pessimistas.
- Ruminação: nossa capacidade de lembrar e analisar pode se transformar em pensamentos repetitivos, especialmente sobre erros, falhas ou ameaças.
- Comparações sociais: constantemente avaliamos como estamos em relação aos outros, o que pode gerar sentimentos de inferioridade, inveja ou vergonha.
- Autocrítica severa: para tentar se “corrigir” e sobreviver ao grupo social, nosso cérebro desenvolveu o hábito de se julgar duramente — como se isso nos tornasse melhores. Mas, na prática, isso aumenta o sofrimento.
- Foco no desempenho: tendemos a valorizar mais o “fazer” do que o “ser”, o que nos desconecta de nossas necessidades emocionais mais profundas.
Esses padrões não são falhas pessoais. São parte da programação biológica que herdamos, não algo que escolhemos.
E qual é a saída?
Aqui entra a força da Terapia Focada na Compaixão. Ao invés de tentarmos “consertar” o cérebro, a proposta é compreendê-lo e cuidá-lo com compaixão.
A pergunta que a TFC propõe é:
“Dado o cérebro que você herdou, o ambiente em que cresceu e tudo o que viveu até aqui… como você pode cuidar de si agora?”
Essa perspectiva muda tudo. Ela tira o peso da culpa e nos convida a construir um relacionamento mais gentil com nós mesmos.
O papel da compaixão
A compaixão, nesse contexto, não é apenas um sentimento “fofo” ou superficial. É uma força motivacional corajosa, que nos impulsiona a reconhecer o sofrimento e agir para aliviá-lo.
Quando cultivamos a autocompaixão, ativamos o sistema de calma e afiliação, promovendo sensação de segurança, conexão e autorregulação emocional. Isso nos permite enfrentar os desafios com mais clareza e resiliência, sem nos abandonar ou nos punir.
A prática da compaixão pode incluir:
- Falar consigo mesmo com mais gentileza
- Reconhecer o sofrimento com abertura e curiosidade
- Criar pequenos rituais de cuidado diário
- Desenvolver práticas de mindfulness e compaixão guiada
- Buscar apoio emocional sem vergonha
Fazendo as pazes com o cérebro complicado
Reconhecer que temos um cérebro complicado é apenas o começo. O passo seguinte, e mais transformador, é fazer as pazes com ele. Isso significa deixar de tratá-lo como um inimigo e passar a vê-lo como um organismo antigo, cheio de boas intenções (sobreviver!), mas que precisa de nossa orientação consciente e compassiva.
Fazer as pazes com seu cérebro complicado pode incluir:
- Acolher suas reações automáticas com curiosidade, e não com julgamento. “Isso está acontecendo porque meu cérebro está tentando me proteger, mesmo que de forma exagerada.”
- Substituir a autocrítica por diálogo interno compassivo. “Eu estou fazendo o melhor que posso, com o cérebro e as ferramentas que tenho.”
- Praticar formas de autorregulação emocional, como respiração profunda, pausas conscientes ou visualizações de cuidado.
- Oferecer-se pequenas doses de segurança: um cobertor favorito, uma xícara de chá, uma música tranquila, sinais que dizem ao corpo e ao cérebro: “Está tudo bem agora.”
- Buscar apoio quando necessário. Terapia, grupos de acolhimento, meditações guiadas e conversas significativas são recursos poderosos para reequilibrar os sistemas emocionais.
Fazer as pazes com o cérebro complicado é um ato de coragem. É abandonar a guerra interna e começar uma relação de cuidado com sua própria mente.
Você não precisa se tornar “uma pessoa zen” ou “não sentir mais ansiedade”. Mas pode aprender a responder a si mesma com mais paciência, compaixão e sabedoria.
E isso, por si só, já é uma grande libertação.
Um convite à reconciliação
Entender o cérebro complicado é, antes de tudo, um ato de reconciliação com a nossa humanidade. É aceitar que somos seres emocionais, imperfeitos, em constante aprendizado. É deixar de lutar contra nós mesmos e começar a cultivar um espaço interno de cuidado, coragem e compaixão.
Você não é fraco por sentir demais. Não é errado por ter pensamentos difíceis. Você apenas tem um cérebro complicado — como todos nós. Mas agora que sabe disso, pode escolher caminhos mais gentis e corajosos para viver consigo mesmo.
Com carinho,
Paula.