Você já sentiu como se tivesse perdido a força para reagir?
Como se estivesse vivendo no “modo automático”, sem energia para nada, preso em uma sensação de impotência?
Essa é uma das experiências mais comuns de quem enfrenta a depressão. E embora muitas vezes as pessoas pensem que esse sofrimento é “fraqueza” ou “falta de vontade”, a ciência mostra que não é nada disso.
Pesquisas na Terapia Focada na Compaixão (TFC), desenvolvida pelo psicólogo britânico Paul Gilbert, ajudam a entender a depressão como um estado humano que tem raízes profundas na forma como nosso cérebro evoluiu.
Por que nos sentimos sem forças?
No livro The Science of Powerlessness (A Ciência da Impotência), Gilbert explica que muitas vezes a depressão nasce da sensação de não ter controle sobre a própria vida.
Quando passamos por experiências repetidas de fracasso, críticas ou situações de injustiça, nosso cérebro pode aprender a “desligar” para evitar mais dor. É como se a mente dissesse: “Não adianta tentar, você não vai conseguir.”
Esse mecanismo não é apenas psicológico: ele tem base biológica. Animais em ambientes de ameaça constante também podem apresentar comportamentos de desistência, economizando energia quando percebem que não têm chance de vencer.
Em nós, humanos, esse padrão pode se transformar em sensações de impotência, falta de motivação e desesperança, um retrato muito comum da depressão.
O que a psicologia evolutiva explica sobre a depressão
A psicologia evolutiva busca compreender as emoções e comportamentos humanos olhando para a história da nossa espécie.
Segundo Gilbert, sentimentos de impotência e retraimento que aparecem na depressão podem ter tido uma função protetiva no passado. Em situações em que lutar ou competir não traria chances de sucesso, “recuar” podia ajudar a conservar energia e evitar riscos maiores.
O problema é que, no mundo atual, esse mesmo mecanismo pode se transformar em um estado de paralisação, desesperança e perda de vitalidade. O que um dia serviu como defesa, hoje pode nos aprisionar em um ciclo doloroso.
O ciclo da impotência, vergonha e autocrítica
Outro ponto importante é o papel da vergonha e da autocrítica na depressão:
- A vergonha faz a pessoa acreditar que ela mesma é o problema.
- A autocrítica age como um juiz interno, atacando a cada dificuldade.
Esse ciclo aumenta a sensação de impotência, como se não houvesse saída. A pessoa já sofre, e ainda se culpa por estar sofrendo.
O que é compaixão segundo Paul Gilbert
Para quebrar esse ciclo, Gilbert propõe desenvolver a compaixão.
Ele define compaixão como:
“A sensibilidade ao sofrimento próprio e dos outros, com um compromisso profundo de aliviar e prevenir esse sofrimento.”
Isso significa que a compaixão não é apenas sentir pena, nem apenas ser gentil. É uma postura ativa: reconhecer a dor, entender que ela faz parte da condição humana e agir de forma corajosa para cuidar dela.
Quando aplicamos a compaixão a nós mesmos, ela ajuda a equilibrar os sistemas emocionais do cérebro:
- Reduz a força do sistema de ameaça, ligado ao medo e à autocrítica.
- Fortalece o sistema de calma e afeto, ligado à segurança e ao vínculo.
- Reabre espaço para a motivação e a esperança.
Como lidar com a depressão segundo Gilbert
No livro The Science of Powerlessness: A Clinical Guide to Depression (2020), Paul Gilbert descreve passos importantes para compreender e transformar esse estado:
1. Entender a depressão como estado de “desligamento”
- O sistema de ameaça fica hiperativado (culpa, vergonha, medo).
- O sistema de cuidado e o sistema de busca/impulso ficam inibidos.
- Reconhecer isso ajuda a não se culpar, mas entender que se trata de um estado natural que pode ser transformado.
2. Psicoeducação compassiva
- Ensinar que a depressão não é falha pessoal, mas resultado de processos biológicos e sociais.
- Validar o sofrimento: “Não é sua culpa sentir-se assim.”
3. Ativar o sistema de cuidado (compaixão)
- O foco é treinar compaixão ativa para reduzir vergonha e autocrítica.
- Práticas possíveis:
- Respiração compassiva.
- Imaginar uma figura compassiva.
- Desenvolver uma voz interna calorosa e encorajadora.
4. Trabalhar com a autocrítica
- A autocrítica intensifica a depressão.
- O paciente aprende a externalizar essa voz crítica e responder com compaixão.
5. Resgatar senso de propósito em pequenos passos
- Começar com metas muito pequenas, tratadas como experimentos, não testes de valor pessoal.
- Exemplos: sair para uma curta caminhada, preparar uma refeição nutritiva, ligar para alguém de confiança.
6. Trabalhar memórias e emoções de vergonha
- Muitas vezes a depressão é alimentada por lembranças de rejeição.
- A TFC propõe imaginação compassiva e reescrita dessas memórias com a presença de uma figura de cuidado.
7. Perspectiva evolutiva
- Assim como outros animais entram em estados de “parada” diante da impotência, os humanos também podem se desligar.
- A saída não está em se forçar, mas em aprender novas formas de se relacionar com esse estado com calor, paciência e cuidado, até que seja possível retomar energia e motivação.
Abaixo segue um quadro para te ajudar a compreender como lidar com cada processo mental atrelado ao sofrimento da depressão:

Resumindo
Lidar com a depressão envolve:
- Psicoeducação: entender a depressão como um estado de impotência, não como fraqueza.
- Compaixão ativa: reduzir vergonha e autocrítica.
- Pequenos passos de autocuidado: retomar energia de forma gradual.
- Reativar propósito e vínculo: reconstruir conexões e significados.
- Reescrever memórias de dor com suporte compassivo.
👉 Em outras palavras: a depressão pede menos cobrança e mais compaixão ativa.
Gilbert defende que só através do fortalecimento do sistema de cuidado e da compaixão é possível sair do ciclo de impotência.
Conclusão
A depressão é um sofrimento real, mas também compreensível à luz da ciência. A psicologia evolutiva mostra que ela nasce de mecanismos que um dia ajudaram nossa espécie a sobreviver. O problema é que hoje esses mesmos mecanismos podem nos prender em um ciclo de impotência, vergonha e autocrítica.
A Terapia Focada na Compaixão, inspirada nos estudos de Paul Gilbert, oferece um caminho: cultivar a compaixão como força ativa, que ajuda a equilibrar emoções, reduzir a autocrítica e recuperar esperança.
Buscar ajuda e aprender a se tratar com compaixão não é sinal de fraqueza, mas um ato de coragem e cuidado consigo mesmo.
Se precisar de ajuda, estou aqui. Será um prazer auxiliar você nesse processo.
Com carinho,
Paula.