Descobrir uma traição pode ser uma das experiências mais dolorosas em um relacionamento. O chão parece desaparecer, o coração dispara e uma avalanche de sentimentos toma conta: raiva, tristeza, confusão, vergonha, medo e até culpa. Em meio a tudo isso, uma pergunta ecoa: e agora, o que eu faço?
Se você está passando por isso, este texto é para você.
A traição é sobre quem?
Quando falamos de infidelidade, é comum que a pessoa traída sinta que “algo está errado com ela”. Será que eu não fui suficiente? Onde foi que eu errei? Mas é importante lembrar: a decisão de trair é sempre de quem trai. Ela pode estar relacionada a falhas na comunicação do casal, insatisfações ou impulsos mal administrados, mas nunca é responsabilidade da pessoa traída.
Mesmo que o relacionamento estivesse com dificuldades, a escolha pela traição é um caminho que poderia ter sido evitado. Há outras formas de lidar com crises, como conversas difíceis, pausas no relacionamento ou até o término, que não envolvem quebrar a confiança.
O que dizem os especialistas?
Quando descobrimos uma traição, é comum que a primeira pergunta que venha à mente seja: por quê? O que leva alguém a trair? Foi culpa minha? A relação já estava ruim? E se eu tivesse feito algo diferente?
A verdade é que não existe uma resposta simples. A traição não acontece por um único motivo. Na maioria das vezes, ela é resultado de várias coisas que foram se acumulando com o tempo, tanto dentro da relação quanto dentro de cada pessoa envolvida.
A infidelidade é uma das experiências mais dolorosas em um relacionamento, e também uma das mais estudadas na psicologia. Apesar de ser um fenômeno comum — pesquisas mostram que entre 20% e 40% das pessoas em relacionamentos estáveis já vivenciaram algum tipo de traição — as causas e os impactos emocionais variam muito de pessoa para pessoa.
A traição é sempre sinal de que a relação estava ruim?
Nem sempre. Um dos equívocos mais comuns é acreditar que a infidelidade só acontece em relacionamentos “problemáticos”. Pesquisas mostram que pessoas podem trair mesmo estando satisfeitas com a relação. Isso porque a traição não está relacionada apenas à qualidade do vínculo, mas também a questões internas, como insegurança, impulsividade, dificuldade de lidar com emoções ou busca de validação externa.
Os psicólogos John e Julie Gottman, que estudam relacionamentos há mais de 40 anos, explicam que a traição raramente acontece só por desejo físico. Na verdade, ela costuma surgir quando alguém se sente emocionalmente sozinho dentro do relacionamento. Pode ser que essa pessoa não expresse suas necessidades emocionais para seu parceiro ou tenha tentado se conectar, conversar, buscar carinho, e não foi escutada. Quando isso se repete muitas vezes, pode surgir um distanciamento que, aos poucos, vai abrindo espaço para a infidelidade.
Mas é importante reforçar: nada disso justifica trair. A escolha de quebrar a confiança é sempre de quem trai.
A psicóloga e sexóloga Aline Sardinha também fala sobre isso com muita sensibilidade. Para ela, a traição machuca não só o coração, mas também a autoestima, o desejo e até a forma como a pessoa se enxerga. Muitas vezes, quem foi traído sente como se tivesse perdido o chão, como se não soubesse mais quem é dentro da relação.
Segundo Aline, em muitos casos, a traição acontece quando há questões mal resolvidas na vida íntima e sexual do casal. Pode ser que a pessoa esteja se sentindo invisível, pouco desejada, insegura com o próprio corpo, ou carregando sentimentos de rejeição que não consegue expressar. Quando isso não é conversado, pode virar um silêncio doloroso — e, para algumas pessoas, isso se transforma em busca por atenção ou validação fora da relação.
Ela também lembra que a sexualidade faz parte da nossa saúde emocional, e precisa ser vivida com diálogo, afeto e respeito. Quando ela é abafada, ignorada ou usada como punição, o casal pode se afastar ainda mais.
Estudos contemporâneos sobre a infidelidade revelam:
- Existem diferentes tipos de traição: emocional, sexual, virtual (como envolvimentos online) e até a chamada “traição por omissão” (esconder intenções, sentimentos ou vínculos).
- A traição emocional costuma ser percebida como mais dolorosa por muitas pessoas do que a sexual, pois envolve afeto, cumplicidade e troca íntima com outra pessoa.
- Homens e mulheres podem trair por motivos diferentes, mas isso está mudando. Enquanto homens, historicamente, relatavam mais motivações sexuais, e mulheres emocionais, hoje os dados mostram que ambos os gêneros traem por motivos diversos: oportunidade, frustração, busca por emoção, fuga da rotina ou necessidade de afirmação pessoal.
O que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) traz sobre a infidelidade?
A TCC ajuda a compreender que comportamentos como a traição podem estar ligados a padrões de pensamento disfuncionais, dificuldades de comunicação e regulação emocional. Alguns exemplos:
- Crenças como “todo mundo trai”, “eu mereço mais atenção”, ou “se ninguém descobrir, não é traição”.
- Dificuldade de expressar frustrações, desejos ou insatisfações.
- Impulsividade ou baixa tolerância ao tédio e à frustração.
- Baixa autoestima, levando a busca constante por validação externa.
O papel da TCC é ajudar a pessoa a identificar esses padrões, entender o que os alimenta e desenvolver formas mais saudáveis de lidar com suas emoções e relacionamentos. Além disso, quando não sabemos lidar com nossas emoções ou comunicar o que sentimos, podemos acabar tomando decisões impulsivas, que machucam quem está ao nosso lado.
Ou seja, a traição normalmente não é um erro do nada. Ela costuma ser consequência de dores, insatisfações e silêncios que foram se acumulando, junto com dificuldades emocionais de cada pessoa. Mas isso não tira a responsabilidade de quem escolhe trair, porque sempre existe a possibilidade de conversar, buscar ajuda, pedir um tempo, ou até terminar antes de ferir alguém.
Entender as possíveis causas não muda o que aconteceu, mas pode ajudar você a enxergar com mais clareza que essa dor não é culpa sua. E, com o tempo, isso pode trazer mais calma para pensar sobre o que fazer daqui pra frente, com ou sem essa relação.
As fases após a descoberta
Assim como em um luto, é comum passar por diferentes fases emocionais:
- Choque: um estado de negação e incredulidade.
- Raiva: direcionada ao parceiro, à pessoa com quem ele(a) traiu ou até a si mesmo.
- Tristeza profunda: sensação de perda do que existia e do que se imaginava para o futuro.
- Negociação: pensamentos como “e se eu tivesse agido diferente?” ou “será que consigo perdoar?”.
- Aceitação: onde começamos a reorganizar a vida e as emoções, com ou sem a continuidade do relacionamento.
Essas fases não seguem uma ordem rígida. É comum sentir raiva e tristeza no mesmo dia, por exemplo.
A ajuda da Terapia
A terapia é essencial para dar suporte a quem está lidando com as consequências de uma traição. Ela ajuda a identificar e modificar pensamentos automáticos e crenças negativas que podem surgir, como “nunca mais vou confiar em ninguém” ou “isso aconteceu porque eu não sou suficiente”.
Além disso, a TCC trabalha com estratégias práticas para lidar com ansiedade, pensamentos recorrentes, insegurança e medo de abandono, emoções muito comuns após uma quebra de confiança.
Com o acompanhamento de um profissional, também é possível desenvolver habilidades de comunicação, estabelecer limites saudáveis e aprender a tomar decisões mais alinhadas aos seus valores.
Preciso decidir agora?
Não. Um erro comum é achar que você precisa tomar uma decisão imediata: terminar ou perdoar. Mas a verdade é que você está machucado(a), e decisões importantes pedem clareza emocional. Permita-se sentir, buscar apoio e refletir antes de decidir o que é melhor para você.
Quando é possível reconstruir?
Alguns casais conseguem reconstruir a relação após uma traição. Isso exige disposição genuína dos dois, autorresponsabilidade, escuta ativa e, muitas vezes, acompanhamento terapêutico.
Os Gottmans ressaltam que a reconstrução passa pela criação de novos significados e rotinas que fortaleçam a segurança emocional, como demonstrações constantes de compromisso, validação emocional e transparência. É preciso estar disposto a escutar, a falar com vulnerabilidade e, acima de tudo, a agir com coerência.
Mas atenção: perdoar não significa esquecer ou fingir que nada aconteceu. O perdão pode ser um processo interno, mesmo que você escolha não continuar a relação. E tudo bem se decidir que não consegue seguir depois da quebra de confiança, essa também é uma forma legítima de se cuidar.
Cuide da sua saúde emocional
Você pode estar sentindo sua autoestima abalada, pensamentos obsessivos, dificuldades para dormir ou até sintomas físicos. Isso é normal em uma fase de estresse emocional intenso. Se possível, busque apoio profissional. A psicoterapia pode ajudar a elaborar esse luto, resgatar sua autonomia emocional e tomar decisões com mais consciência.
Algumas perguntas que podem ajudar no processo:
- Eu quero continuar neste relacionamento?
- O outro está verdadeiramente arrependido e disposto a reconstruir?
- Eu me sinto segura(o) para tentar de novo?
- O que eu preciso para me sentir respeitada(o) e cuidada(o)?
Essas respostas não virão de uma só vez, mas vão surgindo conforme você elabora o que sente.
Para finalizar: você não está só
Traições machucam, mas também revelam. Elas revelam o estado da relação, os limites que precisam ser reavaliados e, principalmente, o quanto você merece ser tratada(o) com respeito, sinceridade e cuidado. Seja qual for o caminho que você escolher, que ele seja pautado pelo seu bem-estar e não por medo, culpa ou pressão social.
Você pode reconstruir sua vida, com ou sem esse relacionamento. E o mais importante: você pode reconstruir o seu vínculo mais essencial, consigo mesma(o).
Se quiser seguir refletindo sobre isso, aqui no Psicoterapia e Afins temos diversos conteúdos sobre autoestima, relacionamentos e saúde emocional. E lembre-se: você merece um amor que respeita, acolhe e constrói junto.
Com carinho,
Paula.