Hoje, quase todo mundo usa aplicativos no celular: redes sociais, mensagens, jogos, e até apps de produtividade. Mas às vezes, sem perceber, esses aplicativos podem nos deixar ansiosos, distraídos ou até diminuir nossa autoestima. Neste texto, você vai aprender a perceber quando um app está prejudicando seu bem-estar e o que fazer para voltar a ter uma relação mais saudável com a tecnologia. Uma curiosidade: esse foi o tema do meu mestrado! Estudei como aplicativos impactavam o bem-estar digital em professores. Baseado em tudo isso, preparei esse texto para você. Esse assunto é um tema que está em construção científica ainda. Porém, quando juntamos com os achados da psicologia, e principalmente da psicologia positiva, conseguimos propor intervenções bem interessantes. Vamos lá?
Por que alguns apps podem fazer mal?
O desenvolvimento de aplicativos muitas vezes tem o maior objetivo de gerar lucro através do nosso comportamento dentro dessas plataformas. Quanto mais tempo ficamos nesses apps, mais chance de gastarmos dinheiro e das empresas entenderem o que faz com quem gastemos nosso dinheiro ali. Às vezes você pode não comprar nada, mas é impactado com anúncios que as empresas pagam para aparecer para você, ou ainda, tem o seu comportamento monitorado dentro da aplicação para que seja ofertado produtos alinhados com os seus comportamentos.
Para isso, as empresas adotam uma estratégia de design chamada design persuasivo. O desing persuasivo é a prática de criar interfaces e experiências digitais que incentivam comportamentos automáticos, muitas vezes sem que o usuário perceba. Por meio de notificações constantes, cores chamativas, rolagem infinita e sons de recompensa — como o “bing” de uma nova curtida —, esses elementos acabam prendendo nossa atenção e moldando nossas decisões.
Embora pareçam benéficos para engajamento, na prática eles minam nosso bem-estar ao reduzir nossa autonomia (fazendo com que usemos o app inconscientemente), diminuir nossa competência (interrompendo tarefas e tornando difícil concentrar-se) e fragilizar nossos relacionamentos (ao priorizar interações rápidas e superficiais em vez de conversas profundas). Dessa forma, o design persuasivo transforma um recurso que poderia ser neutro em uma armadilha de atenção e emoção, deixando o usuário mais ansioso, disperso e insatisfeito.
Mesmo que um aplicativo pareça “inofensivo”, ele pode:
- Viciar nossa atenção: abrimos sem pensar, como se tivesse um “botão automático” que nos chama.
- Aumentar a ansiedade: ficamos preocupados com notificações, curtidas e comentários.
- Prejudicar o foco nas tarefas do dia a dia: interrompe o trabalho, os estudos ou as conversas presenciais.
- Gerar comparação constante: ver a vida “perfeita” dos outros nas redes sociais pode nos deixar mal.
O que não é levado em consideração na construção dessas soluções digitais é que nós, seres humanos, possuímos necessidades emocionais básicas, que quando são satisfeitas, aumentam significativamente o nosso bem-estar. Essa é uma teoria ampla e consolidada na Psicologia. Essas necessidades são:
- Sentir-se no controle (autonomia): queremos escolher livremente o que fazemos.
- Sentir que somos bons no que fazemos (competência): precisamos ter a sensação de que damos conta das tarefas.
- Ter ligações verdadeiras com outras pessoas (relacionamento): precisamos de conversas e conexões de qualidade.
Quando um aplicativo nos empurra para uso sem escolha, faz a gente ficar sempre buscando aprovação (curtidas) e cria relações superficiais (bate-papo rápido, emojis), ele pode atrapalhar essas necessidades.
Sinais de alerta: como saber se um app está prejudicando você
Considerando as necessidades humanas básicas, aqui vão alguns sinais de que o seu bem-estar pode estar sendo impactado negativamente por alguma aplicativo:
1. Uso automático e dependência
- Abrir sem querer: você está distraído lendo algo ou trocando ideia com alguém, e, de repente, “se pega” abrindo o app sem lembrar por quê?
- Dificuldade em parar: fala para si mesmo “só mais um minuto” e, no fim, se passa uma hora (ou mais).
- Sensação de vazio quando não abre: se o dia passa e você não mexe no app, sente uma lacuna na rotina, como se estivesse perdendo algo importante.
2. Ansiedade por notificações e aprovação
- Precisar das curtidas: cada like ou comentário faz você se sentir bem, e a falta deles deixa angústia.
- Desespero por ver o que está acontecendo: entra no app para “ver só uma notícia” ou “reagir a uma mensagem” e, enquanto espera ou não vê nada novo, já quer conferir outra vez.
- FOMO (medo de ficar de fora): ideia de que, se não estiver online o tempo todo, você “vai perder algo” (um evento, uma informação, uma piada).
3. Prejuízo na concentração e na produtividade
- Interrupções constantes: uma notificação vem e você para o que estava fazendo (trabalho, estudo, tarefas da casa). Depois é difícil retomar a atenção.
- Sentir que não rende: de tanto parar e voltar, acha que “não conclui nada direito”. No fim do dia, sobra a sensação de frustração.
- Mistura de tarefas: durante uma atividade importante, fica pensando: “Ah, vou só tirar uma dúvida no app” e, sem perceber, já está distraído em outro site ou jogo.
4. Relações menos profundas
- Conversas superficiais: trocar só emoji, figura ou “kkk” no lugar de texto. Você acaba se relacionando de forma rasa, sem compartilhar sentimentos ou ideias.
- Menos encontros presenciais: se fala com alguém todo dia no app, mas não marca nem uma hora de conversa ao vivo, pode sentir que a proximidade está enfraquecendo.
- Reuniões sociais virtuais em que ninguém se escuta de verdade: todo mundo digitando correndo e ninguém realmente prestando atenção ao que a outra pessoa diz.
5. Mudanças no humor e no sono
- Irritação desligando o celular: se o aparelho não carrega ou dá problema na internet, você já fica nervoso ou ansioso.
- Dificuldade para dormir: ficar mexendo no app antes de dormir faz seu sono ser mais leve (ou curto), e você acorda cansado.
- Sentir culpa ou arrependimento: no fim do dia, pensar “podia ter estudado mais” ou “podia ter conversado com minha família, em vez de passar horas vendo postagens”.
Perguntas para refletir sobre seu uso
Para perceber melhor se um aplicativo está tirando seu bem-estar, pare um pouco e responda, com sinceridade, a cada pergunta:
- “Por que eu quero abrir este app agora?”
- É porque preciso mesmo de uma informação ou conversar com alguém?
- Ou é só para me distrair do tédio ou de uma tarefa chata?
- “Como me sinto antes, durante e depois de usar?”
- Antes: estou ansioso para ver alguma coisa nova, ou é só hábito?
- Durante: continuo pensando em outras tarefas ou fico realmente focado no que faço no app?
- Depois: sinto-me bem ou me agarro a uma sensação de vazio e arrependimento?
- “O que minhas emoções estão me pedindo?”
- Se sinto medo, culpa ou angústia de ficar sem acessar, esse é um sinal de alerta.
- Se me sinto animado e satisfeito, talvez o uso esteja saudável.
- “Esse app contribui para meus objetivos?”
- Por exemplo, se quero aprender uma língua, um app de estudo pode ajudar. Se a ideia era estudar, mas fui para um app de vídeo sem querer, não contribuiu.
- “Meus relacionamentos aumentam de qualidade ou diminuem?”
- Quando converso por ali, falo de verdade como me sinto? Ou troco só figuras e curtidas sem me aprofundar?
- Desse modo, avalie se tem mais encontros reais (pelo menos por vídeo chamada, com atenção plena) ou só papo rápido.
Dicas práticas para retomar o controle
1. Ajuste as notificações
- Desative tudo o que não for essencial: se não precisa saber imediatamente quando alguém curte uma foto aleatória, desligue essa notificação.
- Permaneça apenas com alertas de contatos mais próximos: você pode deixar chegar mensagem de família, grupo de trabalho ou estudo, mas tirar notificações de “novas sugestões” de conteúdos.
2. Estabeleça momentos de desconexão
- Crie horários sem celular: por exemplo, na hora das refeições, uma volta no quarteirão ou 30 minutos antes de dormir, deixe o aparelho em modo silencioso.
- Use temporizador: se quiser usar um app para ver algo rápido, programe um alarme para, digamos, 15 minutos. Quando tocar, avalie se já fez o que precisava.
3. Organize seu dia com metas claras
- Liste suas tarefas: planeje o que precisa fazer no dia (trabalho, estudo, casa). Assim, se sentir vontade de abrir o app, pergunte se já terminou algo dessa lista.
- Tenha um “propósito de acesso”: antes de abrir, diga: “Vou só checar uma mensagem que me mandaram” ou “Vou ler aquela notícia específica”. Se não tiver um motivo claro, evite abrir.
4. Pratique atividades fora da tela
- Reserve tempo para hobbies analógicos: ler um livro físico, desenhar, passear ao ar livre, cozinhar, tocar um instrumento.
- Encontros presenciais ou chamadas prolongadas: combine conversar com um amigo sem a pressão de responder rapidinho. Foque em perguntar “Como você está de verdade?” e ouvir com atenção.
5. Faça um “diário rápido” de uso
- Ao final de cada dia, anote em um caderninho ou no próprio celular:
- Quais apps usei mais?
- Quanto tempo passei em cada um?
- Como me senti antes, durante e depois?Isso ajuda a enxergar padrões. Por exemplo: “Quase sempre fico ansioso quando uso tal rede social” ou “Percebi que, ao usar aquele jogo antes de dormir, acordo mais cansado”.
Caso não queira escrever o uso, talvez seja mais prático usar a parte de bem-estar digital do seu celular para verificar o seu uso e linkar com as emoções que sentiu durante o dia.
Exemplo de caso prático
Imagine a Maria, que estuda e trabalha, e mora com a família. Ela percebeu que:
- Abre o Instagram sem querer ao sentir tédio no trabalho.
- Fica ansiosa esperando curtidas nas fotos que posta.
- Para as tarefas várias vezes ao dia para responder mensagens de grupos.
- Troca conversas mais profundas com o namorado por mensagens rápidas e emojis.
- Acaba dormindo tarde porque fica vendo vídeos antes de dormir e acorda cansada no dia seguinte.
Para melhorar, Maria:
- Desativou notificações desnecessárias do Instagram (curtidas, sugestões).
- Estabeleceu horários sem celular: nas refeições e 30 minutos antes de dormir.
- Passou a usar o Instagram só por 15 minutos, cronometrados.
- Agendou ao menos um encontro presencial com o namorado por semana (mesmo que seja um café rápido).
- Começou a ler um livro físico por prazer, diminuindo o hábito de ver vídeos antes de se deitar.
Em poucas semanas, ela sentiu menos ansiedade, foi mais produtiva no trabalho e se relacionou melhor com o namorado e a família.
Se identificou com alguma parte dessa história?
Quando procurar ajuda de um profissional
Mesmo percebendo que o uso de alguns aplicativos ou do celular em si está te fazendo mal, pode ser muito difícil mudar esse comportamento, principalmente porque existe uma indústria que estuda e implenta de maneira muito rápida formas de manter você conectado sem que você perceba ou decida conscientemente estar ali.
Além disso, caso você esteja com alguma dificuldade emocional em sua vida, pode ser ainda mais difícil mudar esse hábito. O importante é saber que você não está sozinho.
Então quando buscar ajuda? Se você perceber que:
- Não consegue reduzir sozinho o uso, mesmo tentando as dicas.
- Fica muito ansioso, irritado ou triste quando fica sem acesso ao app.
- O celular está atrapalhando o trabalho, estudo ou os relacionamentos próximos de forma séria.
Esse é o momento de procurar um(a) psicólogo(a). A terapia com psicólogo oferece técnicas para reorganizar hábitos e lidar com ansiedade digital, ajudando você a reconquistar o equilíbrio entre tela e vida real.
Conclusão
Aplicativos são ferramentas poderosas e podem ser muito úteis. No entanto, se não estivermos atentos, eles podem roubar nossa atenção, aumentar nossa ansiedade, prejudicar nossa produtividade e empobrecer nossas relações. Para identificar quando um app está fazendo mal, fique de olho em:
- Uso automático: abrir sem intenção.
- Ansiedade por notificações e curtidas.
- Interrupção constante das suas tarefas.
- Relações mais rasas e menos encontros reais.
- Mudanças no humor e no sono.
Ao refletir com sinceridade sobre essas questões e usar as dicas práticas (ajustar notificações, ter horários de desconexão, definir propósitos de uso, praticar atividades fora da tela), você reduz o impacto negativo dos aplicativos e volta a aplicar a tecnologia a serviço do seu bem-estar — e não ao contrário.
Se mesmo assim sentir que não consegue retomar o controle, não hesite em buscar apoio profissional. Cuidar da sua saúde mental é sempre o primeiro passo para uma vida mais equilibrada.
Envie uma mensagem. Vamos adorar te ajudar!
Com carinho,
Paula.